Escrever é fácil

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Você começa com maiúscula e termina com ponto. No meio, você coloca as ideias. (Pablo Neruda)

Publicitários entendem por criatividade a capacidade de encontrar ideias que fogem a todo e qualquer tipo de clichê. Considerando que produtos e serviços disputam a atenção dos consumidores expostos a todo tipo de mídia, diretores de arte e redatores trabalham na criação de novas ideias com o objetivo de produzir peças publicitárias que surpreendam os consumidores, de forma simples, fácil entendimento e, de preferência, que façam telespectadores, leitores, ouvintes, internautas sorrirem. Fala-se até mesmo de uma “trinca de conceitos” que caracteriza uma boa ideia: simplicity, surprise, smile.

Peculiaridades à parte, publicitários trabalham com todo tipo de referência (conteúdos advindos de filmes, peças teatrais, literatura, pintura, e outras manifestações artísticas e culturais) com o objetivo de manter atualizados seus conhecimentos de mundo. Respondidos todos os pré-requisitos presentes no briefing que delimita a produção de campanhas ao plano da racionalidade, a comunicação eficaz de produtos ou serviços consiste numa forma original de dizer mais ou menos as mesmas coisas. Porque, na verdade, de acordo com Ribeiro (1998) sócio-presidente da Talent (leia no box detalhes da edição ampliada), o conteúdo do que tem de ser dito em campanhas publicitárias varia pouco. Qual é o carro esporte que não atinge alta velocidade? O seguro que não protege a família? O sabonete que não serve para tomar banho? As situações que um produto enfrenta no mercado não são infinitas. Elas se repetem.

Segundo o autor, a principal razão para justificar a existência de agências de propaganda é a capacidade de essas empresas reunirem profissionais criativos com talento para criar formas originais de comunicar produtos e serviços. Se não fosse isso, para criar uma campanha bastaria publicar uma foto do produto e o briefing. Porém, isso não funciona porque, em geral, os consumidores não estão interessados nos produtos e serviços em si, mas nos benefícios que podem tirar deles. Um carro esporte é mais caro do que um carro comum: gasta mais gasolina, é menos cômodo, leva menos bagagem, tem um motor com uma potência que o consumidor não usa porque não pode passar dos 80 quilômetros na cidade, mas quando ele entra num carro esporte acontece o que busca: experimenta sensações de liberdade, jovialidade e alegria. Isso acontece porque para a maioria dos consumidores a forma como se sente ao fazer uma coisa é mais importante do que a finalidade do ato em si.

A razão pela qual o consumidor compra está relacionada ao que Ribeiro chama de matriz: as sensações que ele experimenta ao realizar determinado ato. De acordo com Freud ‘agimos de forma consciente ou inconsciente em direção à obtenção do prazer e no sentido inverso em relação à dor’. Embora o conceito de prazer seja individual, geralmente, se agrupa em categorias que o publicitário denomina “matriz”. Grupos de pessoas são representados por suas matrizes, ou seja, experimentam sensações de particular prazer – por exemplo – em situações de: poder (políticos e empresários); segurança (poupadores, pessoas que fazem seguro, relação pais e filhos); conquista (esportistas, empresários) fantasia (adolescentes); beleza (mulheres e alguns tipos de homens). Identificar as sensações que um produto ou serviço provoca nas pessoas aumenta as chances de sucesso da comunicação.

Ainda de acordo com Ribeiro (1998), Disney dizia que uma coisa importante no desenho animado é a coerência lógica do contexto. Se o Pateta despenca do décimo andar, a cena deve contemplar um toldo ou um mastro de bandeira para salvá-lo das consequências da queda. Na propaganda vigora o mesmo princípio, é possível criar qualquer coisa desde que seja verossímil. E é aí que entra o perigo dos clichês como, por exemplo: uma dona de casa arrumada às 6 horas da manhã, recém-saída do cabeleireiro, que serve o café da manhã para a família cantalorando o nome da marca da margarina que está servindo, é clichê.

Portanto, se o briefing deixa bem claro o que se quer comunicar e a partir dele é possível definir a matriz de sensações do público-alvo, a metade do trabalho está pronto, finaliza o autor. Assim, a definição da matriz é um meio de se criar um conceito estratégico de comunicação. O processo criativo já está em andamento. De posse do conceito, violà, encontra-se uma ideia que sustentará toda comunicação. Depois disso, basta dar forma às peças publicitárias (direção de arte, títulos e textos). E aí, se inicia outra etapa do trabalho.

Parece simples, mas para escrever textos publicitários criativos é preciso passar por um processo. Um movimento que coloca o redator na posição de criador de idéias, organizador dessas idéias de acordo com o planejamento e estabelecimento do conceito estratégico, tradutor dessas idéias em forma de texto provisório, revisor e editor do texto final.

Quando o redator assume o papel de revisor
Depois do processo criativo, o redator cuidadoso pode assumir o papel de leitor de si mesmo, um avaliador do próprio texto. Assim, o redator muda de lugar palavras, frases ou até mesmo parágrafos inteiros num movimento que o leva a descobrir o que tem a dizer. De redator, o profissional passa para o papel de revisor e depois volta a desempenhar o de escritor. Além das convenções do sistema lingüístico; dos aspectos de coesão e coerência; acessibilidade e aceitabilidade por parte do leitor; dos cortes necessários; da inclusão de novas informações ou reescrita de trechos que podem ser esclarecidos; o redator ainda pode retomar o briefing e verificar se o texto responde às instruções contidas nele.

As primeiras versões do texto podem apresentar passagens sem relação com o restante do texto e assim são descartadas. Outras passagens podem apresentar divagações que não estão correlacionadas diretamente às partes precedentes e seguintes. Estas devem ser postas em outra ordem ou integradas àquelas por meio de conjunções ou ainda frases de ligação. Nesse ponto, o redator no papel de revisor do próprio texto ainda faz modificações: muda uma palavra, corta ou acrescenta uma frase e o texto está na reta final. Tais modificações referem-se à revisão do conteúdo do texto.

E o trabalho continua. Depois da revisão do conteúdo, chega a hora de avaliar a forma. O texto ainda pode apresentar frases longas ou muito complexas resultando em cortes, construção de frases na voz ativa, substituição ou eliminação de termos que podem resultar em contradições. O conhecimento metacognitivo das regras gramaticais é indispensável durante a revisão do texto, tanto para o redator quanto para o revisor.

A maioria das agências delega a revisão para um profissional especializado. Isso não quer dizer que o redator está dispensado da tarefa de revisar seu próprio texto, porém o revisor é responsável pela versão final. Quando o redator assume o papel de revisor, o resultado do trabalho criativo é mais satisfatório. Afinal é uma forma de preservar a originalidade das peças criadas em meio às possíveis alterações solicitadas pelo cliente.

Na prática, redatores e revisores ficam gratificados quando a interatividade preenche o espaço entre o começo e o término do trabalho. Como disse Neruda, escrever, assim, é fácil. E bom demais!

Por Elisabeth Guimarães – Grupo Bríndice

Fontes:
RIBEIRO, Julio (1998) Fazer acontecer – Algumas coisas que aprendi em propaganda investindo 1 bilhão de dólares em grandes empresas. São Paulo: Cultura Editores. Associados.

Maria Elisabeth Guimarães Mendonça (2008) – Dissertação: A criatividade na produção do texto publicitário sob a perspectiva das dimensões processual e lúdica. – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – COGEAE – Especialização em Língua Portuguesa – São Paulo – 2008 – Orientadora: Profa. Dra. Lílian Ghiuri Passarelli.

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